A Evolução do Ensino

 

No início da Humanidade, o ensino, ou educação, estava centrado na família, grupo com relações de parentesco, que ultrapassava o casal e descendentes. Eminentemente prático, então, mais não era do que o melhoria das capacidades, pela observação, dos mais jovens para as técnicas de sobrevivência. Não só os progenitores mas toda a comunidade participavam neste processo de ensino dos mais novos. Com a sedentariedade, a formação de núcleos urbanos e o crescimento da importância dos sistemas religiosos, tudo a partir do Neolítico, e com a complexidade da vida familiar, social e económico-política, surge uma classe sacerdotal especializada na formação dos seus elementos e sua preparação para os rituais e cerimoniais, para além de se tornar guardiã e transmissora da memória das origens. Nasceu a filosofia, a partir das cosmologias desenvolvidas, bem como da literatura, baseada em narrativas que era necessário fazer passar de geração em geração.

Este desenvolvimento dos primeiros tipos de ensino ganhará consistência e um elevado nível cultural e científico com os Egípcios, povos Mesopotâmicos, com os Hebreus e na Ásia, na Índia e na China. Neste último espaço geográfico criou-se mesmo o primeiro sistema geral de educação, apesar de não ser extensível à maior parte da população. Autêntica triagem para o funcionalismo público, o sistema chinês, que teve em Confúcio um dos seus maiores inspiradores, tinha já uma complexidade notável, visível essencialmente no conjunto de exames que eram feitos até se ser seleccionado para cargos de Estado. Só no século XIX, quando os ocidentais começaram a disputar regiões chinesas, é que este sistema confuciano milenar ruiu.

No último milénio antes de Cristo, Gregos e Romanos desenvolveram um tipo de ensino inicialmente com uma vertente militar mas depois cada vez mais individualizado, humanista e prático, norteado pelos sistemas políticos desses povos. A formação do cidadão era o objectivo do seu ensino pragmático e intelectualizado. Os Gregos privilegiaram um sistema de ensino, pela primeira vez, que assentava mais em princípios científicos e filosóficos do que em religiosos ou espirituais. A estética (música, poesia, teatro, dança) e a imagem do cidadão e da polis eram alvos desta formação, que nunca esqueceu a componente guerreira, principalmente entre os Espartanos. Mente sã em corpo são, como diria o grego Juvenal de Alexandria: o aspecto físico e anatómico do cidadão era também privilegiado no mundo greco-romano. Muitos foram os tratadistas do sistema de ensino na época clássica, com destaque para Platão, idealizador dos conceitos de educação prática e de educação "liberal" (filosofia, dialéctica, arte...). Entre os Romanos, o pragmatismo era mais evidente: o ensino privilegiava o treino do indivíduo para o lado prático do quotidiano (economia, guerra, desporto, política). A oratória e a retórica eram muito importantes, por isso Cícero, Quintiliano e outros não deixaram de escrever sobre elas.

Depois, com Santo Agostinho, Tertuliano, Orígenes e outros Padres da Igreja Antiga, com o advento e universalização do Cristianismo e dos seus valores, então acesamente anti-pagãos, criou-se um ensino menos formal e fortemente ascético. Os autores pagãos foram "esquecidos", apesar dos seus ensinamentos se manterem estruturantes no sistema de pensamento cristão. Foram os monges que preservaram, copiando e traduzindo, por exemplo, o saber pagão, as suas obras e técnicas. A influência grega aflorou progressivamente na cultura e ensino entre os Cristãos, pela sua capacidade especulativa e formativa, que inspirou de certa forma o ressurgimento do ensino e da educação entre os Católicos. Estava-se naquilo que se chamou de "Renascimento carolíngio", idealizado por Alcuíno e corporizado na escola palatina de Aix-la-Chapelle (actual Aachen, na Alemanha), modelo de outras. Alguns monges tornam-se preceptores de jovens fidalgos, ensinando-lhes as letras, o latim - língua de cultura e ensino na Idade Média - outros ganham notoriedade intelectual, como Escoto Eríugena, no século IX, "pai" da escolástica, movimento intelectual cristão de matriz aristotélica e especulativa que enformará o aparecimento das Universidades medievais (o modelo foi Paris, que inspirou tantas outras), novas cúpulas do saber, quase restringido ao universo clerical. Desde o tempo dos Romanos que a educação não ganhava um fôlego tão grande e com uma implantação tão forte, apesar de não abranger grandes fatias de população, maioritariamente iletrada e quase sem qualquer hipótese de aceder a qualquer instituição educacional. Até ao Renascimento, nos séculos XV e XVI, a educação, refira-se, era toda ela no Ocidente de cariz religioso, de formação de clérigos. Muito mais científico e especializado tecnicamente era o ensino entre os árabes, impulsionadores de autênticas universidades e centros politécnicos eminentemente pragmáticos.

No Renascimento, o latim perdeu alguma preponderância no ensino, em virtude do reforço das línguas vernáculas ao nível literário e na política de tradução da Bíblia para vulgar, impulsionada pelos reformadores protestantes no século XVI, que impõem um ensino mais técnico na Europa do Norte e central. O latim era agora a língua de acesso às obras clássicas e aos textos antigos conservados pelos monges. O grego ganhou também importância no Renascimento. A grande reforma no ensino desta época, agora cada vez mais fora dos meios religiosos e numa fase de questionamento das Universidades e do seu exclusivo pedagógico, foi a inspirada pela Companhia de Jesus a partir da segunda metade do século XVI. A Ratio Studiorum jesuítica, com os seus programas e técnicas formativas do indivíduo e sua preparação para o futuro, continuava o esforço de Sturm, um pedagogo alsaciano que recuperou o sistema educativo greco-romano com a retórica a assumir plano de destaque. Os Jesuítas dominaram o ensino até ao século XVIII, quando foram em parte substituídos pelos Oratorianos. A rede de colégios jesuíticos assegurou esse objectivo humanista e livresco no ensino, com uma pedagogia orientada para a erudição, a partir da tratadística clássica e das grandes obras teológicas e científicas dos cristãos. Erasmo (este antes dos Jesuítas), Rabelais e Montaigne pugnaram contra essa erudição excessiva, defendendo a leitura dos clássicos apenas para se beber o seu conteúdo e não extrapolar em termos religiosos e retóricos. Montaigne, como Comenius e outros pedagogos, lutou por um ensino que tivesse como objectivo a experiência de vida do indivíduo e não a sua elevação estilístico-retórica.